domingo, 5 de janeiro de 2014

Bárbara Heliodora deixa a crítica teatral aos 90 anos

O meu agradecido abraço e um ‘até breve’ a todos

Por Bárbara Heliodora 

Com o fim de 2013 fica terminada também a minha carreira de crítica teatral e, se por um lado a liberdade atrai, sem dúvida haverá momentos em que acharei ao menos esquisito não ter de ir ao teatro e escrever a respeito, ao fim de todos esses anos. Em primeiro lugar devo reconhecer e agradecer o enriquecimento emocional e intelectual que o teatro me deu; tendo sido sempre, de longe, minha arte favorita, não é de espantar que o teatro me tenha dado tanto ao longo dessa carreira que agora é concluída.
Como seria possível agradecer a todos os autores, desde Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, passando pelos romanos, renascentistas, barrocos, neoclássicos, românticos, realistas e todas as mesclas mais recentes que tive a oportunidade de ver ou ao menos ler? E embora ocupem período bem menor, é quase tão difícil agradecer aos atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, iluminadores, músicos (nas várias atividades) e diferentes técnicos cujo trabalho criou os milhares de encenações a que assisti, riqueza que inclui Dulcina, Procópio, Jaime Costa, Dercy Gonçalves, Sérgio Cardoso, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Paulo Autran, Ítalo Rossi e Sergio Britto, para falar apenas de alguns dos que já se foram, e sem falar em tantos outros, mais recentes e também brilhantes. E conheci o trabalho de diretores como Zbigniew Ziembinski e Gianni Ratto, Adolfo Celi...
É claro que nem tudo foi bom, mas espetáculos como “O mambembe” do Teatro dos Sete, os “Pequenos burgueses” de José Celso, o “Marat/Saade” de Ademar Guerra, “O balcão” produzido por Ruth Escobar, o “Hoje é dia de rock” do Teatro Ipanema, “O beijo da Mulher Aranha” com Rubens Corrêa e José de Araújo, a “Navalha na carne” de Tônia Carrero, o “Romeu e Julieta” do Grupo Galpão e a “Comunicação a uma academia” de Ítalo Rossi me marcaram de modo inesquecível, ficando faltando muitos outros. E, fora da obrigação crítica, tive a sorte de ver no palco Jean-Louis Barrault, Jean Vilar, Laurence Olivier, John Gielgud, Kenneth Branagh (para não falar em nomes “menores”, como Jeremy Irons e Ralph Fiennes). Para quem gosta de teatro, pode existir profissão melhor? E tenho de agradecer igualmente a todos os leitores, afinal o elemento indispensável para que a crítica jornalística se justifique, assim como à imprensa que me acolheu e me permitiu, com isso, fazer o que me dava prazer, ou seja, ir ao teatro...
Sem fazer crítica, ocasionalmente aqui estarei, sempre falando de teatro, arte que nunca deixou de me fascinar. A todos, o meu agradecido abraço e um “até breve”, mesmo que fora da crítica a que dediquei tamanho pedaço da minha vida.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Quando a montagem de Romeu e Julieta do Grupo Galpão estreou em Londres, Bárbara Heliodora acompanhou o grupo na excursão à terra natal de Shakespeare, Strattford-Upon-Avon. A atriz Inês Peixoto guarda a foto dela com a trupe na frente da casa onde Shakespeare teria nascido. (Fonte: http://divirta-se.uai.com.br/)


sábado, 9 de março de 2013

Porto Alegre abre Escola de Espectadores


Projeto aberto ao público vai debater espetáculos de artes cênicas em cartaz na cidade. Inscrições para as aulas serão abertas no dia 12/3
 
No próximo dia 26 de março, a partir das 20h, o Teatro de Câmara Túlio Piva será palco do lançamento da Escola de Espectadores de Porto Alegre (EEPA), um projeto da Coordenação de Artes Cênicas da PMPA, dentro das comemorações da Semana de Porto Alegre.
A cerimônia terá entrada franca e contará com a presença do pesquisador argentino Jorge Dubatti, que criou a primeira escola de espectadores em 2001, na cidade de Buenos Aires, e do coordenador da EEPA, jornalista e dramaturgo Renato Mendonça. As aulas da EEPA se iniciam dia 30 de março, e as inscrições poderão ser feitas, gratuitamente, a partir do dia 12 de março pelo e-mail  inscrevacac@gmail.com.

As atividades da EEPA seguirão o modelo que já funciona com sucesso em Buenos Aires, Montevidéu, Cidade do México, La Paz, Santiago do Chile, Medelin e Lima, conciliando aulas sobre fundamentos de artes cênicas e debates com diretores, atores, produtores e técnicos tendo por tema produções de artes cênicas que estejam em cartaz em Porto Alegre.

Importante: as atividades da EEPA serão gratuitas e não serão exigidos quaisquer pré-requisitos dos alunos. As aulas serão quinzenais e terão lugar na Sala Álvaro Moreyra (Centro Municipal de Cultura, Av. Erico Veríssimo, 307), sempre aos sábados, das 10h30min ao meio-dia. O primeiro ciclo da EEPA se inicia no próximo dia 30 de março e vai até 6 de julho.

Lançamento da Escola de Espectadores de Porto Alegre:
– 26 de março, terça-feira, 20h, no Teatro de Câmara Túlio Piva. Entrada franca.  Participação do pesquisador argentino Jorge Dubatti, inspirador das escolas de espectadores, e do coordenador da EEPA, Renato Mendonça.

Inscrições para a Escola de Espectadores de Porto Alegre:
- A partir do dia 12 de março pelo e-mail  inscrevacac@gmail.com. As inscrições são gratuitas.

Sobre Jorge Dubatti:
Um dos principais nomes da historiografia e da crítica teatrais da América Latina, Jorge Dubatti é pesquisador, teórico e crítico de artes cênicas. Nascido em Buenos Aires, é doutor em História e Teoria das Artes pela Universidade de Buenos Aires. Dirige, desde 2001, a Escola de Espectadores de Buenos Aires (EEBA). Publicou mais de mais 400 artigos em revistas e jornais especializados de Argentina, Alemanha, Bolívia, Brasil, Canadá, Colômbia, Cuba, Chile, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Itália, México, Uruguai e Venezuela. É autor de livros fundamentais como Teoría y práctica del Teatro Comparado (ensaios, 2003) e Teatro Comparado. Problemas y conceptos (ensaio, 1995).

Sobre Renato Mendonça:
Renato Mendonça é jornalista, escritor, dramaturgo e pesquisador no campo de artes cênicas. Foi editor das áreas de Artes Cênicas e de Música no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, entre os anos de 1994 e 2010. Integra a DRAN – Oficina de Dramaturgia, orientada por Graça Nunes, desde 2007. Cursa o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRGS e deve defender dissertação no primeiro semestre de 2013.

Fote:  Coordenação de Artes Cenicas

sábado, 15 de dezembro de 2012

PRÊMIO AÇORIANOS DE TEATRO 2012


PRÊMIO AÇORIANOS DE TEATRO 2012

Melhor Produção
Fernando Zugno, por Inimigos de Classe
Melhor Iluminação
Fernando Ochoa por Landell de Moura – o incrível padre inventor e Sr. Kolpert (pelos dois espetáculos)
Melhor Figurino
Daniel Lion por Os Plagiários – uma adulteração ficcional sobre Nelson Rodrigues
Melhor Cenografia
Leonardo Fanzelau por Cara a Tapa
Trilha Sonora


Celso Zanini, Philipe Philippsen, Martina Fröhlich, por Incidente em Antares
Dramaturgia
Diones Camargo, por Os Plagiários – uma adulteração ficcional sobre Nelson Rodrigues
Ator Coadjuvante
Paulo Roberto Farias, por O Feio
Atriz coadjuvante
Gabriela Grecco, por Os Plagiários – uma adulteração ficcional sobre Nelson Rodrigues
Melhor Ator
Roberto Oliveira, por Um Verdadeiro Cowboy
Melhor Atriz
Patrícia Soso, por Cara a Tapa
Melhor Direção
João Pedro Madureira, por Cara a Tapa
Melhor Espetáculo
O Feio

 PRÊMIO TIBICUERA DE TEATRO INFANTIL 2012

Melhor Espetáculo
Fábulas em 4 tempos ou o fabuloso La Fontaine
Melhor Direção
Marcos Chaves, por Fábulas em 4 tempos ou o fabuloso La Fontaine
Melhor Ator
Vinícius Petry, por Maria Teresa e o Javali
Melhor Atriz
Márcia do Canto, por O mundo de Camila, o livro em cena
Melhor Ator Coadjuvante
Ricardo Zigomático, por Aventuras no Fundo do Mar
Melhor Atriz Coadjuvante
Karen Radde, por Para sempre terra do nunca
Melhor Figurino
Margarida Rache, por Porto Alegre no Livro das Crianças Perdidas
Melhor Cenografia
Teatro Sarcáustico, por Aventuras no Fundo do Mar
Melhor Iluminação
Casemiro Azevedo, por Aventuras no Fundo do Mar
Melhor Trilha
Gustavo Finkler, por Maria Teresa e o Javali
Melhor Dramaturgia
Plínio Marcos Rodrigues, por Fábulas em 4 tempos ou o fabuloso La Fontaine
Melhor Produção
Guadalupe Casal e Rossendo Rodrigues, por Aventuras no Fundo do Mar


PRÊMIO MAIS TEATRO REVELAÇÃO 2012

Melhor Espetáculo
A serpentina ou meu amigo Nelson
Melhor Direção
Evelise Mendes – A serpentina ou meu amigo Nelson
Melhor Ator
Marcelo Pinheiro – A serpentina ou meu amigo Nelson
Melhor Atriz
Carolina Diemer – To be or not to Beckett



JÚRI POPULAR - TROFÉU RBS CULTURA

Melhor Espetáculo Mais Teatro Revelação
A Serpentina ou meu amigo Nelson

Melhor Espetáculo de Teatro Infantil
Aventuras no Fundo do Mar

Melhor Espetáculo de Teatro Adulto
O Feio

sábado, 14 de abril de 2012

Anonimato e crítica teatral

Como muitas pessoas, criei esse blog durante o meu período de pesquisa para o mestrado e acabo não atualizando seu conteúdo. Porém, toda vez que volto a pesquisar o tema sou levada para o meu próprio espaço aqui. Então, aproveito para publicar o texto de uma matéria que está me servindo de base para o artigo que estou escrevendo para a  IV Jornadas Nacionales de Investigación y crítica teatral que ocorre entre 2 a 4 de maio em Buenos Aires. Ou seja, a notícia é velha, mas o tema segue palpitante.

Fonte: http://blogdozero.files.wordpress.com/2008/11/zero_nov_14_final.pdf


Professores discutem estruturação da 
crítica e a necessidade de base teórica

Além do anonimato, a polêmica em torno de Aline Valim desencadeou debates sobre a formação do crítico cultural.  A discussão aborda a diferença entre a  crítica de opiniões e “impressões pessoais”, como foram qualificados alguns dos textos da autora. Apesar de não invalidar a opinião de Valim, a qualificação expõe a falta de base teórica em suas críticas. Stephan Baumgärtel, professor de crítica cultural na Udesc, diz que, em termos conceituais, a crítica se constrói em três  momentos: apresentação do espetáculo, análise técnica e, por fim,  argumentação sobre a função social e relevância da  obra. Todas devem ser baseadas em princípios estéticos e expor a discussão que a peça se propõe a trazer. Pode concordar ou não com seu conteúdo e, ainda assim, avaliar que o espetáculo cumpriu seu objetivo. O mais importante é que a crítica promova o debate estético, ou seja,  a reflexão sobre o valor artístico da obra.Os currículos dos cursos de Artes Cê-
nicas da UFSC e da Udesc, com respectivas 60h e 36h dedicadas ao ensino da crítica teatral, mostram que a formação de críticos é um objetivo secundário. O professor de lingüística Heronides Moura
considera que há falta de interesse dos alunos em exercer a crítica, por ser uma
atividade de risco e  sempre sujeita a represálias.  (C.R.F.)

domingo, 8 de janeiro de 2012

O papelão da crítica

Revista Época - Abril de 2010

Como os críticos perderam a fé - e a importância


A estudiosa Flora Sussekeind foi cruel no ensaio que escreveu para o caderno Prosa & Verso do jornal O Globo de 24 de abril. Seu texto brutal me fez meditar não apenas sobre o exercício que faço todos os dias - o da resenha cultural não-acadêmica de livros, cinema, teatro, música – como principalmente sobre a função e importância da crítica hoje. Será que os críticos acabamos? E que estamos reduzidos a seres rastejantes, presas fáceis daquilo que desde Theodor Adorno chamam “indústria cultural”?

Eu senti Flora se debatendo contra o estado de coisas atual. No artigo, ela convida o leitor a matar pela segunda vez um colega meu, o crítico Wilson Martins. Tudo em nome da restauração da moral na vida cultural. “Talvez seja necessário, na discussão de um espaço ainda crítico para a crítica, matar mais uma vez
Wilson Martins”, escreve Flora. Fazendo o papel de carrasca exumadora de cadáveres, ela acha que os autores do obituário de Martins, que morreu em Curitiba em 30 de janeiro aos 88 anos, foram excessivamente benévolos e prestaram tributo a um tipo de intelectual público que já não tem mais espaço na imprensa de hoje, quanto mais no mundo atual.

Confesso que essa passagem me provocou arrepios de fim de mundo. Afinal, partiu não de um escritorzinho jovem e bobo como tantos que abundam nas festas literárias, mas de uma autora admirável, renovadora da análise da literatura do chamado pré-modernismo e do naturalismo brasileiros, alguém que admiro profundamente. Eu sou capaz de entender a indignação de Flora com o mundinho de vaidades a que ficou reduzido o espaço da criação e da crítica, mas não compreendo ela chutar um crítico morto, que é pior que um cachorro morto neste país que odeia quem aponte erros, quem enuncie ideias, quem leia com atenção.

Flora denuncia o rebaixamento do conteúdo tanto do debate crítico quanto da própria dimensão social da literatura no país “nas últimas décadas”. E isso se deve, para ela, ao domínio da crítica marxista e da atual dominância dos conservadores. E estes, acha ela, adotaram Wilson Martins como paradigma, ou “imago exemplar do crítico”. Em outros termos, o conservadorismo consagrou a cultura como um espetáculo ridículo. Esta passagem é especialmente saborosa, embora as frases alongadas exijam certo fôlego do leitor: “Agora há um conservadorismo que é francamente hegemônico. E envolve desde o retorno às figuras todo-poderosas do especialista monotemático, do agenciador com capacidade de trânsito inter-institucional e do 
colecionador de miudezas, às interlocuções preferencialmente de baixa densidade dos minicursos e palestras-espetáculo, do universo das regras técnicas e das normas genéricas e subgenérica, fixadas acriticamente em oficinas de adestramento, à glamorização midiática de instituições autocomplacentes como a Academia Brasileira de Letras e correlatas, a formas variadas de culto a personalidades literárias, em geral mortas (e Clarice Lispector, Leminski, Ana Cristina Cesar têm sido objeto preferencial de dramaturgias miméticas, ficções e comentários “à maneira de”), mas também em vida veem-se autores mal lançados em livro, se converterem em máscaras que, com frequência, os aprisionam em marcas registradas mercadológicas de
difícil descarte”.

Nesse inferno das letras, as editoras são produtoras de rostinhos novos e títulos vendáveis...e os críticos não passam de reles bajuladores corruptos. Pergunta Flora, enquanto passa o rolo compressor nos brios de seus colegas: “Qual o interesse de um comentário crítico quando se pode obter muito mais visibilidade para escritores e lançamentos por meio de entrevistas, notas em colunas sociais e participações em eventos de todo tipo?”

Eu poderia enumerar aqui vários exemplos de atuação de tais personagens desprezíveis, e não apenas no terreno literário. Há críticos que escreveram sobre determinada orquestra pública em um jornal privado, ao mesmo tempo em que faziam parte da folha de pagamento da orquestra... Críticos que venderam sua consciência por jabaculê. Críticos que não se indispõem com nenhum escritor para não perder convites para festinhas e rodas literárias... Há críticos que ganham mais comercializando obras de arte do que escrevendo sobre a arte que comercializam. Críticos que exaltam as obras de seu chefe imediatamente superior para se manter no emprego... Críticos que caçam efemérides como quem caça marrecos na lagoa para assá-los no domingo. E assim vai. É fácil a gente assestar o canhão para as figuras amorais que vivem de jogo de poder e 
conquistas de cargos.

Flora poderia ter adentrado esse mundo perigoso, mas preferiu lançar mão do obituário de Wilson Martins para sapatear sobre o seu caixão e lançar farpas sobre esse torpe universo literário de que ele supostamente 
serviria como “imago”. Ela começa um ataque correto. Porém termina por se desviar do alvo, perdendo-se em elogios a escritores que, segundo ela, salvariam a pátria da discussão literária. A impressão que o texto me dá é de uma digressão raivosa que se encerra na mais patética imprecisão. Por que matar Wilson Martins novamente nos daria mais crédito?

Vou agora fazer agora a apologia de Wilson Martins, sem com isso me considerar “conservador”. Ele foi um iconoclasta legítimo e foi o derradeiro dos críticos militantes, com formação universitária eclética e não exatamente especializado em teoria literária. 

Sua morte ainda não foi bem assimilada. É certo que ele tinha ideias conservadoras e critérios científicos retrógrados. Afinal, era um intelectual público, não um universitário protegido na torre de cristal da cátedra. E no entanto, ao longo mais de 50 anos, Martins acompanhou com devoção tudo o que os escritores brasileiros produziram, novos e consagrados. Nas colunas do Jornal do Brasil e de O Globo, atacou farsas e consagrou quem merecia. Poucas vezes errou a mão. 

Seus 12 volumes da História da Inteligência Brasileira formam uma obra de referência monumental pela pesquisa e pela ambição de reunir tudo o que se produziu no Brasil em 500 anos de história. Para não falar da História da Crítica Brasileira, um compêndio que organiza as informações sobre a crítica literária. Martins, de seu jeito paternal, generoso e tradicionalista, forneceu dignidade ao ofício da crítica. Ele jamais se curvou a pressões de editoras nem era de frequentar os convescotes de Ouro Preto, Porto de Galinhas e Paraty. 

Era, sim, de se aprofundar na análise sociológica e histórica da obra literária, qualquer que tomasse por objeto, sem medo de confrontar posições. Generoso, nunca foi de ostentar argumentos inquestionáveis. Conversei com ele algumas vezes e sempre se mostrou simpático. Ele me disse que adorava música popular brasileira e que um de seus cantores favoritos era Mario Reis, de quem fui biógrafo (nem por isso ele comentou o livro nos jornais, preferiu fazê-lo de viva voz). E me contou que havia sido radialista na juventude, e tocava os “bambas da música popular” em seu programa. Morreu na solidão, e desprezado, como acontece com tudo que é intelectual brasileiro. Justamente aqueles que tinham de estar em contato com os jovens, com os 

professores, com o público, são aqueles condenados ao onanismo. Não o considero um modelo teórico. Mesmo assim, Wilson Martins foi um exemplo ético a ser seguido por qualquer pessoa que queira se devotar ao estudo da cultura.

O alvo de Flora não deveria ser o cadáver do grande crítico, mas a falta de critério e de moral de quem está vivo e atuante nos nossos círculos literários. Sinto nela a mesma solidão que acometeu Martins, o que me faz pensar que talvez ela tenha perdido a esperança neste mundo cultural. E não a condeno, de forma alguma. Só lamento que isso ocorra em uma das raras pesquisadoras de peso da literatura do Brasil. Temo que ela tenha perdido a esperança nas letras nacionais, da ficção à análise crítica, em nome de uma atitude progressista que só enxerga conservadorismo pela frente.

De qualquer modo, isso me faz pensar no estatuto da crítica cultural no Brasil desta década de 10. É bem possível que os críticos sobreviventes estejam sintonizados no mesmo “spleen” que assaltou Flora. Os críticos
perderam a fé no seu ofício e se mantêm abúlicos, sem reação. Estão se deixando morrer – e aqui vale a chamada à ação de Flora: deveríamos nos unir para limpar a sujeira subliterária que emporcalha este país. Perdemos a crença na discussão de ideias não porque há conservadores no poder (eles sempre estiveram lá, Flora!), mas sim porque não encontramos eco no público-alvo: o leitor. É ele que fará a literatura e a cultura retomar o gênio e o entusiasmo. Não importa se com o livro, o IPad, os blogs e os twitters. No ano passado, eu me converti em nanocrítico ao postar minicríticas pelo twitter, de Paraty. Eu e muitos outros estão usando as ferramentas da internet para continuar a emitir opiniões, para iluminar como vagalumes as poucas pessoas que nos seguem. 

Talvez o crítico de hoje não tenha um papel, e sim um papelão. Mas fazer o quê? A crítica é um esforço, uma luta, e não um privilégio deste ou aquele profissional. É o exercício constante do ceticismo, da interpretação e da compreensão maior do objeto artístico. Depois da segunda morte preconizada por Flora, só me resta fazer um convite para os ricos de espírito: vamos reenterrar Wilson Martins com as honras que ele merece, e buscar entender seu legado não com olhos viciados na dicotomia conservadorismo versus progresso. Esse tipo de preconceito leva ao isolamento dos grandes cérebros (como o de Flora), à proliferação da indústria da vaidade cultura - e ao atraso. Wilson Martins nos legou, além de uma obra venerável e uma certa estética tradicional (com a qual ninguém é obrigado a concordar, como não sou), uma atitude ética. No fundo, é isso que interessa restituir agora. Só assim a crítica vai parar de agonizar e se tornar essencial em uma cultura em mutação como a de agora. Vamos começar expondo a imundície, para depois varrê-la ao esquecimento.



terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A crítica teatral ganha novos formatos e se firma na internet

Fátima Saadi no 1º Encontro Questão de Crítica (Crédito: Raphael Cassou - Divulgação)
O cenário teatral carioca continua movimentado, mas o espaço para a crítica nos jornais impressos da cidade se tornou cada vez mais escasso. A solução? A internet aliada ao surgimento de uma nova safra de estudiosos das artes cênicas. O ambiente virtual tornou-se essencial para a discussão do teatro contemporâneo, a troca de ideias e novos formatos, e também como guia do espectador até a poltrona.

A análise profunda sem denunciar juízo de valor é o objetivo da revista eletrônica Questão de Crítica, lançada em março de 2008, que busca tirar a crítica do seu lugar-comum. “Queríamos fazer algo diferente do que se via no jornal, misturar o jeito acadêmico com uma linguagem acessível. Escrever para um público interessado, que tem vontade de ler sobre teatro”, explica uma das idealizadoras do portal, Daniele Avila. Para impulsionar o trabalho, Daniele, junto com os colaboradores da revista, promoveu, no mês passado, o 1º Encontro Questão de Crítica que teve como objetivo debater a crítica teatral, dialogando com outros segmentos como cinema, internet, filosofia. O evento recebeu uma série de profissionais ligados às artes cênicas. “Quisemos ‘sair’ do site para chamar a atenção sobre a crítica e promover discussões importantes sobre o teatro e áreas interligadas”, acrescenta. O ponto principal da revista eletrônica é provocar um debate de qualidade. “Estamos criando e fazendo ideias. Não precisamos nos expressar de forma rasa, por achar que o leitor não terá interesse. Queremos pensar sobre teatro, criar pontes e não apenas falar se a peça é boa ou ruim”, reforça.

A tradutora e dramaturga da companhia carioca Teatro do Pequeno Gesto, Fátima Saadi, contesta o padrão com que se divulgam críticas ditas mais tradicionais. “Não sei se ainda podemos chamar de crítica a apreciação de espetáculos que segue fórmulas batidas – alguma informação sobre o autor e sua época, brevíssima menção ao conteúdo do texto e distribuição de adjetivos a cada um dos elementos do espetáculo”. O crítico teatral e doutorando em Teatro pela UniRio Daniel Schenker também enxerga diferenças entre o que está sendo produzido hoje e a fórmula tradicional. “No que diz respeito aos críticos do Rio de Janeiro que exercem a função há bastante tempo, existe um certo formato relacionado à análise do espetáculo por fases dentro de um mesmo texto (falar sobre a peça, depois a direção, os elementos técnicos e os atores) que já não é seguido como modelo”. Schenker ressalva, porém, que não há um perfil da crítica proposta pelos novos pensadores, “talvez porque ainda não tenham despontado em número suficiente para determinar tendências”.

A temida crítica Barbara Heliodora, de O Globo, aponta os problemas na formação de um profissional capaz de avaliar minuciosamente um espetáculo. “Essa formação é limitada por questões econômicas, estéticas. Mas acredito que a renovação tem de haver, e nesse sentido sempre aparecem novos críticos, mas eles sofrem com a falta de espetáculos. Antes havia espetáculos maravilhosos e eu tive a sorte de assisti-los. Acho que o que falta para aumentar o número de críticos é a própria matéria-prima que padece pela falta de quantidade”, acredita.

Se a quantidade de críticos ainda não é significativa, na opinião de Schenker e Barbara, especialistas na área acreditam que existe um movimento de renovação no meio. A jornalista Luciana Eastwood Romagnolli, setorista da área, avalia que o fenômeno no Rio de Janeiro não se encontra mesmo nos grandes veículos, mas sim no meio alternativo da internet. “Os novos críticos se pautam por um outro pensamento do que a crítica de teatro pode ser, um trabalho que não encontraria espaço na imprensa carioca tal como ela se organiza hoje”, acredita.

O ambiente universitário é propício para que mudanças como essas se fortifiquem, como acredita Daniele Ávila. “A Questão de Crítica surgiu dentro da Uni-Rio, no curso de Teoria do Teatro. Acredito que é um meio onde existe espaço para reflexão do teatro focado na contemporaneidade e que se dá atenção à prática e teoria”, ressalta. Fátima Saadi também credita aos bancos acadêmicos umas das razões para o aparecimento dos novos críticos. “Isso reflete o amadurecimento do trabalho nas escolas de teatro e nas universidades de artes cênicas e de áreas afins. Denota também uma nova maneira de conceber a crítica e seu objeto. A crítica abandona sua pretensa objetividade, baseada no instrumental técnico oferecido a partir dos anos de 1970 aos estudiosos da área, e elege novos referenciais para sua reflexão. Sem abandonar o domínio dos estudos teatrais, aqueles que escrevem sobre teatro dialogam com criadores e críticos de áreas como, por exemplo, filosofia, estética, crítica da cultura, artes plásticas, literatura e sociologia”.

O crítico de teatro Macksen Luiz, que escreveu para a edição impressa do Jornal do Brasil (JB) durante 29 anos, criou seu próprio blog para dar continuidade ao trabalho, mas admite que conhece poucos críticos da nova leva. “Leio alguns blogs especializados, sei que a maioria é oriunda do curso de Teoria (do Teatro) da UniRio e isso traz uma certa especialização aos trabalhos”. Macksen, inclusive, atenta sobre a possibilidade de os novos pensadores conseguirem um lugar no meio impresso. “Acredito que alguns deles tenham como objetivo chegar ao jornal de papel e isso não é algo para um futuro distante. Evidentemente, isso pode acontecer pela renovação natural e pelo desejo de se escrever neste tipo de mídia”, completa. Para Daniele, este é um objetivo possível para muitos críticos, principalmente pelo valor simbólico que a mídia impressa ainda permite. “A atividade traz status e, querendo ou não, tem reconhecimento no meio teatral da cidade. Muitos escrevem de forma mais jornalística visando a este meio (impresso), além de ser uma maneira de sustento, uma vez que o trabalho na internet nessa área ainda carece de recursos”. Porém, o surgimento dessa nova demanda de pensadores (e de certa forma suas pretensões) parece flutuar no caminho inverso do jornalismo impresso, que abre cada vez menos espaço ao meio opinativo.

Para o blogueiro e crítico teatral Lionel Fischer esta redução se deve ao fato da diminuição de interesse da mídia impressa neste conteúdo. “Seja qual for a natureza de reflexão, ela interessa cada vez menos aos veículos de comunicação, o que parece estar em sintonia com o interesse também, cada vez menor de as pessoas refletirem sobre qualquer fenômeno”, opina. Macksen acredita que independentemente do meio que se busca a crítica o importante é o que ela estimula. “Meio impresso ou não, o leitor procura o que deseja. O que temos de fazer são textos que possam capturar o olhar sensível dele”.
Segundo Daniel Schenker, a perda de espaço da crítica deu-se possivelmente pelo fato do teatro ser uma manifestação artística menos mercadológica. Fátima Saadi reitera que o teatro, em termos de números, não alcança o mesmo público do “cinema-pipoca ou dos shows de música, e isso pesa no espaço que o jornal atribui às colunas teatrais, na medida em que elas são compreendidas como uma extensão do serviço”, diz. “Além disso, atualmente está explícito, de forma quase grosseira, que a função do crítico de jornal é evitar dissabores ao espectador, isto é, impedir que ele vá ver algo que fuja a seu (do crítico e de seu público) padrão de gosto. Com isso, lamentavelmente, se perde a perspectiva histórica”, conclui. Em contrapartida à mídia impressa a internet tornou-se o local de difusão das mais diversas ideias, através de sites e blogs, e que amplia as possibilidades de novos nichos para quem escreve, além de disseminar o conteúdo que se deseja a um possível público diverso. Para Daniel Schenker, porém, o surgimento constante de diversos veículos virtuais acarreta em um movimento inverso: o poder de repercussão da mídia impressa acaba sendo maior que a web. Apesar disso, Schenker acredita que a internet se tornou um caminho possível pela sua viabilidade, tanto para quem está começando quanto para críticos que perderam espaço no meio impresso. Luciana Ronagnoli também vê este efeito dicotômico em relação às possibilidades da internet. “Há uma facilidade na hora de escrever, mas o alcance dessas críticas proferidas no meio virtual é extremamente variável e depende de outras formas de legitimação, sejam externas (como o crítico que traz sua legitimação do jornal onde escrevia ou de outras atividades praticadas em outros contextos) ou internas (casos de quem constrói uma reputação escrevendo na internet)”, afirma.


Lionel Fischer já escreveu em jornais como O Globo e Última Hora e há três anos dedica-se a seu blog. Ele afirma que não é possível mensurar o impacto gerado pelas suas críticas, mas acredita que a discussão abordada no blog sobre o fazer teatral gera interesse. “No momento tenho 345 ‘seguidores’ e eles certamente são pessoas interessadas em teatro, ainda que não exerçam a profissão de artista”. Fischer compara a internet a uma moeda que possui duas faces. “Ela pode ser encarada tanto como um veículo sério que visa discutir questões relativas ao teatro, formuladas por profissionais gabaritados, quanto espaço facilmente ocupado por pessoas despreparadas que, isentas de qualquer avaliação - como ocorria nos jornais por parte da editoria - postam em seus blogs eventuais barbaridades.


Macksen Luiz está desde janeiro desse ano no meio virtual. Enquanto trabalhou no JB, pensou em criar um blog, porém, segundo ele, não haveria mudanças significativas em passar o texto para a web, por isso a ideia do blog surgiu em um momento que ele pode se dedicar à área. “Antes eu pensava que iria ‘chover no molhado’, isto é, passar para a internet o que estava impresso”, conta. Mesmo com a mudança de ‘casa’, Macksen afirma que o conteúdo é o mesmo. “O que está em jogo é a preservação do exercício da crítica. E isso não foi alterado”, frisa. A adesão à internet movida por segmentos diversos e que, por vezes, não seguem as mesmas ideias só reafirma seu valor de ser um lugar público em tempos que todos sabem e querem dar opinião. Fátima Saadi afirma que o ressurgimento da presença palpável do crítico no que ele escreve, conduz a uma reflexão a partir de pontos de vista e contribuições metodológicas diversas. Ela cita Galileu, personagem da peça homônima do dramatúrgico alemão Bertold Brecht, como paradigma. ‘Pensar é um grande prazer. E a crítica propõe um olhar pausado e afetivo sobre o teatro’.



Colaboração de Vanessa Didolich Cristani