segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Sobre ética e crítica em tempos de internet

20 de setembro de 2008 | N° 8200


Para que um texto crítico tenha validade e cumpra seu papel social é fundamental conhecer sua procedência
O sujeito ético consiste, fundamentalmente, em um ser racional e consciente (sabe o que faz), livre (decide e escolhe o que faz) e responsável (responde pelo que faz). Assim, podemos pensar que uma ação é ética se for consciente, livre e responsável. Desde que surgiu, a internet tem se deparado com problemas éticos no que diz respeito aos direitos de autor, aos plágios, aos crimes financeiros, roubos de dados, disseminação de vírus, falsidade ideológica e outros, a maioria deles facilitado pelo anonimato que a rede proporciona, livrando o autor das responsabilidades sobre seus atos.

A produção teatral catarinense vem se deparando, desde o ano de 2007, com uma situação ética muito particular: o surgimento de críticos teatrais em blogs que funcionam exclusivamente através do anonimato. Foi assim com a aparição de Sarah Kane, uma jovem que usou o nome da escritora inglesa, morta em 1999, para discorrer sobre a produção local. Durante quase um ano, Sarah escreveu em seu blog (momento-critico.blogspot.com) sobre as principais montagens locais, gerando desconforto e ira entre os grupos e artistas devido à sua insistência no anonimato, contrariando um princípio básico e caro à crítica (seja ela teatral, musical ou literária): a crítica traz - ou deveria trazer - a perspectiva de um diálogo fértil entre criador e crítico, e entre crítico e leitor, e, portanto, prescinde de uma relação clara e transparente entre ambas as partes.

Para que um texto crítico tenha validade e cumpra seu papel social é fundamental conhecer sua procedência, saber a quem devemos nos remeter enquanto leitores, que histórico traz essa pessoa a quem creditamos confiança na condução de nosso olhar estético. Isso era impossível no caso de Sarah Kane, que permaneceu no anonimato até que uma noite, após uns copos a mais em uma mesa de bar, um escritor local admitiu, entre amigos, ser ele a mente por trás do nome da misteriosa e evasiva "crítica" local.

O Estado de Santa Catarina já contou com críticos de peso no jornalismo diário, como foi o caso de Eliane Lisboa (pesquisadora e dramaturgista, ex-professora do Centro de Artes da Udesc), no Diário Catarinense, e Edélcio Mostaço (crítico renomado do jornal Folha de S.Paulo, nos anos 1980, e atual professor do Centro de Artes da Udesc), no jornal A Notícia. No entanto, esta tem sido uma carência reconhecida no meio teatral catarinense. Falta-nos a presença permanente de um profissional que domine um instrumental teórico que poucos espectadores possuem, possibilitando a análise da obra cênica através de um olhar treinado e habilitado a ver o que o olho comum não enxerga. De acordo com Sebastião Milaré, crítico e teórico reconhecido nacionalmente, "o crítico é um especialista e não um espectador privilegiado. Vê o espetáculo como um pensamento transformado em imagens, sons, movimentos, luzes, e discute esse pensamento".

Em julho de 2008, surgiu uma nova "crítica" na cena local. Assina como Aline Valim, e foi apresentada virtualmente ao meio teatral pelo mesmo escritor-Sarah Kane, que recomendou aos amigos que a lessem e prestigiassem. Desde então, Aline vem tecendo comentários pessoais em seu blog acerca das produções teatrais locais. Recém-chegada à cidade, Aline escreve sobre grupos e artistas com intimidade, inclusive cita produções realizadas há mais de cinco anos, e o mistério de sua existência ganha proporções novelescas quando não se encontra um único integrante do meio teatral que a conheça pessoalmente.

Recentemente, Aline Valim passou a assinar críticas no caderno de Cultura do Diário Catarinense, opinando sobre como se deve proceder, ou não, na montagem de um espetáculo (entre os trabalhos analisados recentemente, encontram-se O Espantalho, De Malas Prontas, Jardim das Delícias e Simulacro de uma solidão). Aline Valim, que se apresenta como poeta e com o livro Sittah no prelo, age como crítica, mas não passa de uma espectadora privilegiada. Duplamente privilegiada, pois conquistou um espaço na mídia escrita onde expõe suas opiniões com o peso de uma especialista. Aline Valim é um nome fictício. Ninguém a conhece, não dispõe de telefone, só se comunica por e-mail, não dá entrevistas nem marca encontros, pois está sempre viajando (Paris, Londres...), e, ainda assim, consegue acompanhar a farta produção local.

A crítica Bárbara Heliodora comenta que para ser um bom crítico é preciso, acima de tudo, adorar teatro. Em seguida, é necessário procurar conhecer o máximo que puder sobre autores e escolas de interpretação e ir muito ao teatro. Ela insiste que o crítico não deve ser paternalista. "Passar a mão na cabeça não é positivo para o teatro, pelo contrário", afirma a polêmica crítica, conhecida pela severidade arrasadora, que causa temor no meio teatral.

Milaré reafirma a importância do respaldo de intelectuais conhecedores da arte, capacitados à análise e discussão do fenômeno estético. A crítica teria, para ele, "uma função analítica e organizadora das diferentes correntes de pensamento que incidem na produção dramática".

Voltemos, então, à questão ética, ao sujeito que responde por seus atos. O DC Cultura é um caderno de idéias, valorizado pela presença constante de intelectuais e formadores de opinião reconhecidos na cena catarinense, pessoas reais com quem se pode conversar e trocar idéias, de quem se pode, inclusive, discordar. Aline Valim não é real. Trata-se de uma invenção virtual, uma ficção criada por alguém que não ousa responsabilizar-se por seus atos, por incompetência ou covardia. Isto é um desrespeito com o público e um desserviço ao teatro.

O exercício da crítica é um exercício de cidadania, baseado na troca, e por isso deve ser feito com responsabilidade. E o primeiro ato de cidadania é assumir sua própria identidade. Simples, não? E uma vez que se trata de uma questão de interesse coletivo, sugerimos ao senhor Marco Vasques, escritor e funcionário da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Santa Catarina, que use sua experiência em dupla identidade, como mentor de Sarah Kane, para convencer sua amiga Aline Valim (até o momento, Marco Vasques é o único integrante do meio artístico a admitir que a conhece pessoalmente) a se revelar publicamente, dando, assim, uma contribuição verdadeiramente relevante ao teatro local.

* Jefferson Bittencourt é músico e diretor teatral, dirige o grupo Cantus Firmus, a Persona Cia. de Teatro, a Trilogia Lugosi e é sócio da Vinil Filmes, mantém em Florianópolis a Camarim Escola de Arte; Marisa Naspolini é atriz, produtora e professora de teatro no Centro de Artes da Udesc, dirige a Áprika Cooperativa de Arte e é presidente da Gesto - Associação de Produtores Teatrais da Grande Florianópolis

JEFFERSON BITTENCOURT E MARISA NASPOLINI *

Critica aos críticos

Texto publicado por Sergio Martins no blog http://www.verbeat.org/blogs/miudos/2005/04/. Infelizmente, os links da autora do mesmo cujo primeiro nome é Olívia não se encontram mais disponíveis. 


Quem critica não sabe fazer.
Pode ser e pode não ser. Arte crítica são atividades diferentes, e pode acontecer de um bom artista ser também um bom crítico (ou um bom tenista, ou um bom cozinheiro…). Já citei o exemplo do Mel Bochner e do Dan Graham no campo da arte contemporânea, existem outros. Por outro lado, um bom artista também não é necessariamente um bom critico. Isso vale inclusive para o próprio trabalho. Uma vez produzido o trabalho, todo mundo – artista inclusive – passa para a posição de leitor. De leitor Barthesiano, por favor.
A função do crítico é ressaltar aspectos da obra normalmente inacessíveis ao grande público.
Não vou nem entrar em questões sobre elitismo e autoridade. Meu problema com este ponto de vista concerne diretamente, como eu vinha dizendo, à natureza da produção de sentido. O pressuposto aqui é que o autor, ao criar a obra, deposita uma série de significados nela, e que a função da crítica é tentar exaurir estes significados. Ao crítico, portanto, caberia um trabalho de exegese. É como se existisse uma “verdade” da obra. Não acredito nisso. Se a obra é uma entidade viva – o que me parece muito mais interessante -, então seu leque de sentidos é constantemente atualizado e enriquecido. Até porque ela só existe no ato, na performance da leitura. É neste momento que ela se debate com o fluxo de discursos de uma subjetividade, encontrando novas vias e esbarrando em resistências inéditas.
O bom crítico.
Existe? Não existe? Depende do que se considera a “boa crítica”. Se para você a crítica não vale nada, então não existem bons críticos. Para mim, o bom crítico nada tem a ver com julgamentos de gosto. A função dele é ar-ti-cu-lar. É levantar uma tese plausível e produtiva não sobre a qualidade da obra, mas sobre o que está acontecendo nela. Que discursos ela atualiza? Que paradigmas ela quebra? Que diferenças ela propõe? Onde ela se conforma, onde ela subverte? Como já me disse o David Cury, é uma questão de “pôr a obra em crise”.
A crítica aponta caminhos.
De certa forma, isto está implícito no ponto anterior. Mas alguns cuidados são essenciais. Se o sentido não está depositado na obra, é porque ele obviamente é um campo contestado. A crítica tenta apontar caminhos, mas não por zelar pelo bom andamento da autonomia da arte (como se isso existisse...). Um bom crítico defende ou ataca as escolhas de uma obra exatamente porque ele tomou uma posição em relação a ela. Por exemplo, um crítico preocupado com a questão feminista vai se deter em analisar até que ponto uma obra específica perpetua ou contesta modelos falocentristas, e com que eficácia. E vai fazer isso identificando as relações que a obra estabelece com a história cultural e com a trama social vigente.
O tempo dirá
Não, o tempo não dirá. Sem a crítica, o mais provável é que quem diga seja o mercado. Existem críticos competentes e incompetentes, críticos conservadores e progressistas, mas criticar faz parte da recepção de uma obra. Concordo também com o David quando ele diz que todo jornal deveria apresentar pelo menos duas críticas sobre um mesmo trabalho. Isso ajudaria a desmistificar a idéia da crítica como “interpretação autorizada”.
A crítica é um índice da inserção de um trabalho na história. Para o historiador, a análise de um texto crítico é essencial para a compreensão do que se esperava de uma obra de arte em dado momento, e como uma obra pode ser posicionada em relação às forças culturais de sua época.
Ai, ai, eu tento, mas não consigo. Já falei demais...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Regras da Bárbara

Por ocasião da participação de Bárbara Heliodra em Seminário no SESC foram distribuídas algumas regras para a elaboração de críticas teatrais que reproduzo abaixo:


Distribuído no evento realizado pelo SESC em Porto Alegre em 8 e 9 de abril de 2008

CRÍTICA
1. Gostou:
2. Porque?
3. Sobre o que é?
4. Onde se passa?
Características: sociais, políticas, económicas, religiosas.
5. O comportamento é condizente com o ambiente? O Cenário situa a ação? Evoca as condições da ação? O Figurino evoca as condições da ação?
6. A estrutura Transmite corretamente o conteúdo? É plausível o desenvolvimento da trama? Qual a situação no início, qual no fim, como se transforma?
7. Personagens: Temperamento. Profissão.
Força como transformador. Relacionamento com os outros. Linguagem corporal.
Clareza de dicção.        ,
Clareza na transmissão de intenções.

8. Significado de Conjunto.
Diálogo - Fluidez - Adequação
9. Soma dos Elementos.


E você? O que acha imprescindível para elaborar uma crítica teatral? Qual a estrutura que você acha conveniente seguir? Faça as suas próprias regras e publique aqui.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Espaço da crítica


Afinal, o que é o espaço da critica? Para que serve? Qual a sua função? Perguntas muitas vezes feitas; perguntas geralmente sem respostas, pois dificilmente se reflete sobre elas, embora sempre se reivindique a presença da crítica nos órgãos de imprensa.

A palavra crítica, num senso comum passou a ser utilizada e entendida como um comentário negativo sobre determinado fato, ação ou outra expressão qualquer do humano.
Etimologicamente critica (do grego kritikós) significa: arte ou faculdade de julgar produções de caráter literário, artístico. Apreciação. Sempre pensamos na critica com esta conotação – apreciação – claro que traz, subsidiariamente, um julgamento de valor implícito, mas é exatamente este julgamento de valor objetivo, enquanto técnico, subjetivo, enquanto arte que gera a possibilidade de discussão do processo de criação do resultado artístico apresentado e que cria o espaço de reflexão.
É necessário que, antes de qualquer coisa, se pense sobre a função da crítica. Sobre a possibilidade que ela oferece de se discutir o fazer artístico, de proporcionar uma troca entre criador e receptor.
“Eu, como criador, vejo como minha obra foi recebida, repenso, revejo, concordo, discordo, mas vou ser obrigado a olhar para a minha obra, para o meu umbigo, com o olhar do outro."
E o crítico - que receptor é este? Uma pessoa, antes de tudo e também um especialista, com prática e vivência daquela expressão artística – pelo menos este deveria ser o crítico especializado - que emite sua opinião, num determinado dia, sobre uma determinada apresentação, de uma determinada manifestação artística, com todo o cuidado e respeito que merece todo e qualquer criador, ou todo e qualquer ser humano, justificando ou expondo o porquê desta ou aquela visão sobre a matéria em questão.
O subjetivo é matéria do julgamento de valor. Por mais que se analise tecnicamente uma obra de arte, o imponderável da arte, ali presente, suscita a imponderabilidade de quem assiste e tem que emitir uma opinião sobre aquilo que vê.
E que opinião seria essa? A tão decantada visão externa, isenta – se é que algo que vem do ser humano e que seja expressão do humano e do artístico, que seja “ expressão da alma” , possa ser isento.
Uma opinião, diríamos nós, de quem não vivenciou o processo, que não está toldado pela paixão do ato criador que, inevitavelmente, prejudica a capacidade de análise distanciada daquilo que cria.
“Eu crio, portanto ali eu estou. Portanto, olhar minha obra com olhar isento é me ver com um olhar externo de mim mesmo, tarefa sobre-humana, quase impossível. Esta tarefa cabe ao outro. E aqui, no caso, o outro é o crítico”.
E esta opinião é isenta e justa? Evidentemente que não. Justa? Há uma análise do que está sendo mostrado, mas não um julgamento que condena ou absolve o produto artístico. Este é imune a este tipo de julgamento que absolve ou condena. A opinião do crítico ou de qualquer um não é um selo de qualidade do Inmetro – que muitas vezes também falha.
Todas as formas de expressão são válidas, dignas, quando feitas com sinceridade artística. No teatro existem muitos teatros. Os nossos espectadores são multi-universos.
Aí se encontra o subjetivo. Analisamos uma expressão artística através de nossa visão do que seja arte, da função da arte, de nosso papel no mundo, na sociedade, a partir de nossa formação como indivíduos, de nossa formação acadêmica. E aí está a riqueza da crítica – da mesma maneira que um mesmo texto dirigido por mil diretores darão origem a mil espetáculos, a crítica feita por diferentes pessoas, por diferentes critérios, levam a diferentes conclusões. E corre-se o risco de sermos injustos? Sempre.
Yan Michalsky não quis que suas críticas fossem publicadas em livro, o que só ocorreu, após a sua morte, pois, numa análise posterior, acreditava ter sido magnânimo com alguns espetáculos e muito rígido com outros.
A crítica de uma obra de arte não é um exame da composição mineral de uma substância. A substância é a Arte e sua expressão – efêmera e eterna – contraditória.
A crítica não é uma complementação da divulgação de seu trabalho , a crítica não tem função específica de atestar qualidade a um espetáculo, embora, claro, possa fazê-lo subsidiariamente.
A crítica não é feita para ser apenas parte de um “press-release” para a venda de espetáculos. Criadores já disseram – “precisamos de uma boa crítica para podermos vender nosso projeto.” – nada mais equivocado.
Na verdade os produtores e divulgadores solicitam desesperadamente a presença do crítico, na verdade, desejam um elogiador. E quando a opinião do crítico não é a desejada, surge uma posição extremamente defensiva.
Quando o crítico elogia, ele passa a ser um mestre no assunto, um amigo, um acarinhador, quase mito, para aqueles que foram elogiados. Quando ele aponta problemas, ele passa a ser uma pessoa presunçosa, dono da verdade, que ,não entende nada da expressão artística que analisa.
De Deus a diabo na terra do sol.
Temos tão poucas possibilidades, tão poucos espaços para podermos discutir o fazer artístico que a crítica se torna uma das poucas possibilidades de diálogo. Diálogo sim, porque, como já dissemos, a crítica não é um atestado. Crítica é uma análise. Um questionamento. Uma pergunta. Uma dúvida. Uma proposta.Não pode ser unilateral. Para surtir efeito tem que ser lida com certa generosidade pelos criadores. Tem que ser ponto de partida, jamais de chegada.
Bárbara Heliodora disse, em entrevista, acreditar que a crítica é paternalista. Em relação ao teatro para crianças diríamos mesmo que ela é maternalista.
O criador tem como parâmetro seu próprio imaginário e repertório e o momento da criação é indizível, como diz Jean-Louis Ferrier: “O indizível – aí é que começa a arte”
Centrados em nossos umbigos, quando somos instados a olhar de fora para nossa criatura não aceitamos que se diga qualquer coisa sobre ela, que não elogios.
Este é o caminho mais curto para a estagnação.
A diversidade de opiniões é de suma importância. São necessárias muitas opiniões, divergentes, opostas, convergentes, para que se estabeleça uma saudável discussão.
Diz um antigo e conceituado crítico literário que o mais importante da crítica é provocar a discussão da obra de arte. Importante quando o criador não aceita a crítica, quando os leitores, uns concordam outros discordam - aí se instala o debate, a reflexão. A crítica, então, cumpriu sua tarefa.

Este é o caminho para sair da estagnação.
Precisamos de mais críticos, precisamos de mais opiniões, precisamos de mais espaço na mídia, nas universidades, na graduação, nos cursos de pós graduação, mestrados, doutorados, para discutirmos o teatro para crianças, precisamos de mais sinalizadores sobre a qualidade no teatro infantil – infantil, sim, por que não? Outra conotação pejorativa que se estabeleceu para essa palavra que representa um estado, na verdade de plena pureza e que precisa ser demolida.
Precisamos levar os mediadores, pais e professores para o teatro, para então podermos começar a formar platéia.
Os especialistas em literatura infantil dizem não haver criança leitora se não há pai leitor e professor leitor. O mesmo podemos dizer do teatro. Dificilmente teremos criança espectadora se não tivermos pais espectadores, professores espectadores.
E o teatro existe apenas na linha abaixo do equador – na zona nobre da cidade. Toda a discussão do teatro para crianças parte de uma amostragem reduzida, dirigida a uma elite. E teatro é uma expressão popular. A interiorização do teatro é fundamental, criar a possibilidade de acesso ao teatro é fundamental.
Vivemos um momento histórico-político-social de possibilidades de mudanças. O teatro para crianças não se aliena do contexto sócio-político, nem do Teatro, nem da Arte, nem da Cultura, mas cada um só pode cuidar do seu pedaço.
E teatro para quê? Para provocar, fazer pensar, emocionar, entreter, dar prazer estético. Expressão ancestral do humano.
E refletir para quê? Para repensar, buscar caminhos, aceitar descaminhos, discutir probabilidades, buscar possibilidades – viver.
A critica é feita para fazer pensar, para abrir um espaço de discussão, de reflexão.
E a crítica, embora técnica, não é feita apenas para a classe teatral, tem que ter uma linguagem acessível ao grande público, que possa tomá-la como um dos muitos referenciais que deve buscar para a escolha do espetáculo teatral que deverá proporcionar ao seu filho ou aluno – é responsabilidade do mediador.
A qualidade do teatro infantil cai a cada ano, isto é uma opinião unânime. Que contribuição a crítica pode vir a dar a este caminhar quase inexorável para espetáculos que, ao invés de formar platéias, afastam gerações das cadeiras do teatro ?
A crítica é um pequeno segmento de um amplo universo e que tem a fonação de trazer sua contribuição, se deixarmos nossos egos na gaveta, olharmos com um olhar de fora, repensarmos, refletirmos, concordarmos, discordarmos, buscarmos e nunca chegarmos ao espetáculo perfeito. Porque este, nunca estreou.
Na verdade a critica faz parte do Processo Criativo. (1) Em primeira instância, por seu criador, depois por conhecidos e, em última instância, por esse desconhecido, anjo ou demônio, feito de verso e reverso de uma mesma medalha: o critico - que não é o algoz que tem um prazer imensurável de falar mal daquilo que vê. Muito pelo contrário, ver a arte a qual se dedica ser bem realizada é tudo o que um crítico deseja. Tanto quanto o criador.
A Crítica da CríticaSerá que existem valores característicos do belo? Hoje, como pensamos Arte e valores estéticos? Qualquer objeto ou atividade pode ser detentora de uma função estética? Será a sensação de prazer que se faz quando estamos diante de uma obra de arte? Prazer este que move a necessidade de repetição deste estado, o prazer estético, como afirma Peter Brook.
A crítica trabalha com o parâmetro da qualidade, evidentemente, e como disse Peter Brook a beleza de uma peça está na qualidade e na perfeição que o público é nela capaz de identificar.
A crítica precisa consubstanciar seus conceitos, a crítica não está ali apenas para dizer se é bom ou ruim – conceitos excessivamente subjetivos, está ali para, antes de tudo falar da qualidade da execução e da adequação de cada elemento referente ao todo. O espetáculo gera um conjunto matemático ao qual pertence e/ou não pertencem estes ou aqueles elementos, seja em que nível for.
“O texto é engraçadinho” não tem absolutamente nenhum significado, agora, e o texto é analisado a partir de parâmetros externos ou mesmo da construção e articulação interna de seus componentes, se apontamos onde possa estar havendo um problema, então sim, estamos iniciando um processo de discussão que pode redundar em crescimento.
O teatro é composto de inúmeras linguagens que se unem para mostrar, que tem função estética, catártica, questionadora, transformadora, política, social, lúdica, poética, entretenedora – expressão artística do homem, para o próprio homem, questionando o homem.
“A arte é a expressão da consciência humana em uma imagem metafórica única”

Susanne Languer
Esta expressão se realiza através do conceito de trama, urdidura. O espetáculo teatral é um tecido composto da urdidura e trama de inúmeras linguagens: o texto, o ator – corpo, voz, interpretação, cenário, figurino, luz, música.
“O texto universal compor-se-ia por `textos da vida` e `textos da arte`...”

Lotman e Uspenskij, 1973

O macro texto – o universo – seria composto por milhões de micro-textos que, interligados, o estruturam harmonicamente, obtendo um resultado único. Esta afirmação pode ser transposta para o teatro, construídos de inúmeras linguagens – narrativas – que compõe um texto maior, que se insere em escalas ascendentes em outros textos para compor um macro-texto, harmonicamente.
A partir daí podemos buscar alguns norte para a crítica. A busca da qualidade que provoca o desejo de repetição, como diz Peter Brook, a análise da qualidade de cada uma das linguagens ou narrativas em cena, a inter-relação entre elas, a adequação à proposta cênica, o resultado estético, o discurso que leve a uma melhor compreensão do mundo, a uma possibilidade de interpretação da vida, do mundo, e de si mesmo.
Um conceito básico de um bom personagem é aquele que tem um salto qualitativo no decorrer da trama. Talvez se possa tomar emprestado este conceito ao analisarmos um espetáculo – terá o seu espectador a possibilidade de dar um salto de qualidade como indivíduo e em sua postura no mundo depois de passar pela experiência mágica do teatro?
Isto é teatro. E a crítica tem que estar atenta para sinalizar.
(1) O Processo Criativo
O Processo criativo acontece em varias etapas – incubação, descoberta, realização e por último, após um período hibernal, pelo qual deve passar a criatura, se chega à verificação.
Verificação
Este passo é a validação das idéias. Seu julgamento crítico, sua prova de viabilidade. As idéias que resolvem, de fato, o problema? São práticas sob um ponto de vista de aplicação? São possíveis de serem implementadas?
É perfeitamente natural que esta etapa venha ao final do processo, pois, caso se apresentasse antes, promoveria uma interrupção no fluxo do pensamento. Atitudes como "não é possível", "não dá para ser feito", "é caro", "é por demais complexo" ou mesmo um simples "não vai dar certo" são fatais durante as fases anteriores, mas não agora.
Ao fazer a revisão e avaliação das idéias, pode-se descobrir que um pensamento aparentemente absurdo pode conter uma sugestão para uma abordagem completamente nova a um problema importante. Uma idéia que a princípio pareceu forçada pode abrir caminho para o
desenvolvimento de um novo produto.

As idéias brutas podem ser "buriladas" e lapidadas. Algumas serão descartadas, é claro, mas provavelmente muitas serão consideradas geniais.

Neste momento do processo, vale a participação de outras pessoas. Pergunte o que elas acham da sua idéia, como elas são visualizadas, se acham que são viáveis. "Deixe sua imaginação voar
solta. Depois, coloque-a em execução aqui no chão":



Carlos Augusto Nazareth
Autor e Diretor de Teatro

domingo, 22 de novembro de 2009

ESPETÁCULO NOCES DE CLOWNS – 23/09/2009 – TEATRO DO SESC

Eu costumo adorar espetáculos com clowns. Acredito que isso ocorre por estes seres significarem para mim um retorno ao mundo ingênuo, mágico, em que tudo pode acontecer, enfim, uma volta à infância. É esse caráter lúdico que tenho sentido falta nos processos de criação cênica, na relação entre os atores, no próprio modo de concepção dos espetáculos... As pessoas costumam se levar a sério demais! Quando vejo uma peça que tenta burlar esse mundo burocrático e carrancudo, de uma certa forma significa uma renovação para mim.
Bom, mas ir ao teatro e assistir a um espetáculo carrega consigo todo um tom subjetivo: deve se considerar o estado emocional do espectador no dia em que este viu a peça. E naquele dia 23 de setembro eu estava realmente cansada, agitada, enfim, acarretando numa não entrega total minha ao enredo apresentado, afinal minha mente ainda se encontrava no mundo real, caótico (mundo este totalmente oposto ao que o universo clownesco propõe). Não posso deixar de considerar esses motivos na “avaliação” do espetáculo. Eu vi dois clowns excelentes, os quais muito me lembraram os palhaços de circo de antigamente (não sei o motivo!), mostrando um mundo extremamente ingênuo e sensível, além de terem o cuidado de interagir com os espectadores de um modo a não ofender ninguém. Em alguns momentos o sorriso estampou meu rosto. Era um riso de nostalgia, talvez. Em outros momentos, me dispersei. No entanto, me alegrava em ver as crianças, o público mais sincero que um ator pode ter, se divertirem muito.
A história, a qual apresentava um clown que queria uma noiva para casar e amar, é universal. Todos procuram amor, ainda mais numa sociedade individualista como a nossa. Tudo era cuidadoso na encenação: o modo com que a dupla de clowns manuseava os elementos cênicos, a iluminação (linda e simples), os figurinos (eram muitas trocas porque eles se transformavam em diversos personagens, como os pais do noivo, o primo, a prima), a concepção dos diferentes quadros apresentados ao longo do espetáculo, até o perfume que eles borrifaram na rosa era agradável (tomando conta de uma boa parte do espaço teatral). As canções de transição entre uma cena e outra eram francesas, dando um tom romântico a elas. Uma ressalva que faço é que a intérprete dessas canções, a qual cantava e tocava um acordeon, transparecia a sua dificuldade em subir e descer os degraus de um altar que ficava no meio do palco, pois a musicista utilizava uma sandália salto-alto. A solução seria deixá-la parada, pois não atrapalharia em nada. Ou o melhor seria se houvesse um clown que fizesse essa trilha sonora ao vivo.
No mais, o espetáculo Noces de Clowns é um retorno ao que há de ingênuo em cada um de nós. Simples, belo, sensível.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Crítica teatral por Michel Fernandes

Por Michel Fernandes, Especial para o Jornal de Teatro

Há algumas edições desse Jornal de Teatro, o editor Rodrigoh Bueno registrou, em seu editorial, um justificado espanto com a conversa de alguns críticos de teatro, que estavam na mesma van que ele, em um determinado festival de teatro. Segundo Rodrigoh, tais críticos não gostaram do espetáculo que tinham visto, mas teriam de “pegar leve” em seus textos, pois o espetáculo levava a assinatura de um “figurão”.
Deprimente saber que a autocensura dos que não têm coragem para assumir suas posições frente a uma peça – por medo de desagradar a alguém cuja carreira é coroada por sucessos ou aos artistas que, em sua trajetória, compilaram um exército de amigos influentes – exista e seja mais praticada do que sonha nossa vã filosofia.
E, além dessa ideia equivocada e que atravanca a reflexão – absolutamente necessária – para os avanços estéticos de nosso teatro, há um grupo de pessoas que lidam, direta ou indiretamente com a crítica teatral, que abre concessões a espetáculos de iniciantes com a justificativa de que é preciso incentivá-los.
Em artigo de Sábato Magaldi lemos que a crítica comete muitos erros de avaliação, mas são equívocos necessários para propagar a reflexão acerca dos novos fenômenos teatrais, ponto que vai de acordo com as ideias da dramaturga Marici Salomão, de que a crítica é uma das bases da percepção, discussão e difusão de novos caminhos das artes cênicas.
Não quero com esse texto glorificar a atividade de crítico teatral, que exerço no Aplauso Brasil – www.aplasobrasil.com.br –, seria no mínimo pedante e pretensioso, mas, antes, reconhecer a responsabilidade que carregamos ao assinar nossos artigos e, por isso mesmo, nos entregarmos à dúvida, ao questionamento constante. Em lugar do autoritário “isso pode” e “isso não pode”, reconhecer que o teatro é território livre, em que quaisquer experimentações são possíveis e que, concordando ou discordando do fenômeno teatral que se critica, é necessário o embasamento teórico e de experiências, vividas ou apreendidas em leituras, para se tecer o texto que, aliás, nada deseja ser definitivo, mas, tão-somente, uma alavanca para a discussão sobre tal fenômeno, já que segundo diz o diretor inglês Peter Brook “o verdadeiro bom teatro só tem inicio ao cair do pano”.
É preciso refletir, sobretudo, “o que é?” e “para quem é dirigida?” a crítica teatral. É preciso diferenciar a crítica teatral dos materiais de divulgação de um espetáculo.

Primeiros Passos
para uma boa crítica
Ninguém duvida que a primeira característica exigida a autores de quaisquer editorias dos jornais e revistas, impressos (as) e eletrônicos (as), é que se escreva com clareza. Essa exigência tão importante ao repórter, cuja função é desembaraçar os fatos do cotidiano para seu público leitor, é apontada por Sábato Magaldi em artigo como condição primordial para que um texto crítico obtenha seu objetivo primeiro que é estabelecer a comunicação entre quem escreve e quem lê. Ele acrescenta que o crítico “julgue com extrema honestidade e sem preconceitos de gênero”. Magaldi diz também que “a primeira função da crítica é detectar a proposta do espetáculo, esclarecendo-a, se preciso, pelo veículo da comunicação. Em seguida, cabe-lhe julgar a qualidade da oferta e da transmissão ao público”.
Para realizar o que chama de “julgamento” ele evidencia a necessidade de o crítico assegurar seu conhecimento sobre o objeto que vai propor a reflexão crítica – o espetáculo teatral. E, para a aquisição de tal saber, cabe ao crítico, além de sólida formação em cultura geral, a frequente leitura sobre a estética teatral, seus diversos estágios diante da história teatral, estudos sobre os mestres – como Artaud, Meierhold, Craig, Bob Wilson, Stanislavski, Brecht e Piscator, entre tantos outros –, conhecimentos sobre a dramaturgia de Sófocles a Shakespeare, de Brecht a Dea Loher, de Padre Anchieta a Nelson Rodrigues, de Maria Adelaide Amaral a Juca de Oliveira, do texto coletivo ao processo colaborativo. Enfim, ser crítico é não ter medo de estudar e reconhecer que o saber jamais se esgota.

A Crítica em Pesquisa
Desenvolvo uma pesquisa, Antunes Filho e José Celso Martinez Corrêa: Apolo e Dionísio do teatro sob a perspectiva das críticas e outros textos de Mariângela Alves de Lima, para o Arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Em primeiro lugar, tal estudo me colocou dentro de uma fortuna de escritos teóricos que propõe reflexões a respeito do fazer do texto crítico, de suas possíveis atribuições e contribuições para o campo do saber teatral. Tal perspectiva me comprova a seriedade, a responsabilidade e o constante dever de estudar, conhecer, enfim, para não ser nem leviano nem permissivo quando tratamos de assunto tão sério como o é para mim o teatro.
Em um segundo momento da minha pesquisa, realizo entrevistas com Mariângela Alves de Lima, há mais de 30 anos crítica teatral de “O Estado de São Paulo”, e, nesses diálogos, conversamos a respeito das ideias dela sobre as teorias que levantei pela pesquisa bibliográfica. A partir disso, chego mais perto da forma como ela se aproxima de um espetáculo teatral, de que maneira ela lida com o fazer da crítica teatral e suas ideias a respeito da finalidade de suas críticas.
Assim como Sábato Magaldi, de quem foi aluna na graduação em crítica teatral na Escola de Comunicações e Artes da USP, acha que a condição sine qua non de um texto crítico deve ser sua clareza para o estabelecimento da comunicação entre autor e leitor. E defende a posição de que, para o artista, a crítica interfere muito pouco, “a crítica teatral não faz com que nenhum gênio do teatro desperte, ou seja, a reflexão crítica não dá ao artista as respostas estéticas para a excelência ou não de seu trabalho”. Em um encontro realizado com alunos do curso de Crítica Teatral, ministrado por Silvia Fernandes e Luiz Fernando Ramos, ela acrescentou o medo que tem de que suas críticas “policiem” o trabalho dos artistas.
Mariângela traz em sua vivência o terror do cerceamento da livre expressão, devido à ditadura militar, e, sendo assim, compreende-se seu pavor ao “policiamento” dos artistas a partir de críticas que apontem os aspectos favoráveis e desfavoráveis de tal e tal espetáculo, mas acredito – talvez ainda esteja vivendo numa utopia! – que é possível o diálogo entre o crítico e o objeto de sua crítica não como bula que direcione o trabalho posterior do artista, mas como material que lhe sirva para saber como se dá uma leitura do trabalho dele por um indivíduo fora do mesmo, nem que para discordar e deletar essa outra perspectiva.

http://www.jornaldeteatro.com.br/materias/32-especial/499-a-critica-teatral-jornalistica-qual-seu-papel.html

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Relato sobre o espetáculo do grupo francês Les Matapeste


A proposta do grupo é trabalhar com o Clown. A história é simples e direta: um pai quer arranjar uma noiva para seu filho. Este é o mote que servirá, desde os primeiros momentos, para o estabelecimento de um jogo de cumplicidade e interação com a platéia. Dela extrai-se a noiva, o padre e todos os convidados da cerimônia, enquanto que os atores se revezam em diferentes papéis da família do noivo.
Aos poucos as figuras vão capturando, pela simplicidade e ingenuidade, a atenção do espectador, enquanto apresentam figuras de extrema poesia e comicidade: a mãe, que vê na futura nora uma rival; o irmão do noivo, que fica interessado na futura cunhada; e a prima, que mantém uma paixão platônica por ele. Essa última figura foi a que mais me impressionou, seu semblante patético, que mesclava dor e encantamento, seus movimentos leves e em suspensão, seu figurino infantilizado provocou-me sentimentos de consternação e pesar, aliados, paradoxalmente, ao riso. A situação daquela figura transitava entre o cômico e trágico, subvertendo algumas vezes o riso do público em um ato de agressão.
Se por um lado o jogo dos atores com o público se mostrava estimulante, o mesmo não se pode dizer dos elementos de cena, que na sua maioria, pareciam improvisados, de um acabamento primário, que destoavam do jogo refinado dos atores.

Rodrigo Ruiz - Professor do Departamento de Artes Cênicas da UFRGS
http://www.clownsmatapeste.com/




sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Entendidos e entediados


Uma pessoa, perto de mim, aplaudia de pé, enquanto bocejava. Ouviam-se alguns gritos de “bravo” vindo de um público que, praticamente, lotou o teatro do SESI. Era o fim do espetáculo que me levou a passar a manhã na fila de ingressos do Porto Alegre em cena. “Um deleite estético e rigor técnico”, como disse uma das minhas colegas maravilhadas com Quartett. Concordo, mas o mesmo não aconteceu comigo e, tenho algumas pistas do porquê.

Esteticamente o espetáculo me impressionou muito. Minimalista, mas, extremamente plástico. Tirei várias fotos com meus olhos, enquanto ouvia o texto. No entanto, os ritmos dissonantes entre a dramaticidade das palavras ditas e dos movimentos em cena, provocaram estranhamento e este, desconforto. Não daquele tipo que causa impacto, instiga e altera nossa percepção, mas, daquele que nos faz começar a desejar que a cena esteja perto do fim.

“Acho que não deves falar sobre este espetáculo”, disse-me hoje logo cedo uma pessoa que me quer bem. “Uma peça que é aplaudida em pé por tanta gente entendida em arte tu não deves criticar.” E aqui começa a questão mais significativa do que falar bem ou mal de Quartett.  Por que temos todos que gostar das mesmas coisas? Sei que durante este período do Porto Alegre em Cena muitas discussões ferrenhas foram travadas pela cidade. Amigos e casais por pouco não romperam suas relações em função da divergência de opiniões. Então é assim? Só podemos nos relacionar com quem concorda conosco? Só apreciamos aqueles que pensam como nós? Quão narcisistas são nossos afetos?
Sim, ninguém quer dar atestado de ignorância. Nem eu. Penso mesmo se devo me expor assim para outras pessoas e me questiono por que, inclusive para mim, ser inteligente é algo até mais importante do que ser bom, do que ser ético?

Há uns dias atrás, vi um documentário sobre as mulheres na Índia que, ao participarem de um concurso, passavam por entrevistas. “Quem foi Hitler?”, perguntou um dos jurados. A moça disse: “Qual é o primeiro nome dele?”. Fiquei chocada. Como assim? No entanto, ao comentar sobre isso com uma das minhas amigas, ela observou: “o que sabemos nós sobre as autoridades indianas? Sobre seus deuses? Suas histórias?” Quase nada. Quando muito sabemos algo sobre Gandhi até porque sua história foi parar no cinema hollyoodiano. Não. Nem depois de muito “hare baba” ainda não sabemos quase nada sobre a Índia.

Então vejamos: não posso respeitar quem não tem as mesmas informações que eu? A mesma cultura? A mesma forma de apreciar a arte? Imagino que alguns vão dizer que quero uma arte tradicional. Eu acho que, depois de mediar duas Bienais do Mercosul, estou aberta para novas propostas. Outros, talvez digam que eu só me interesso pelas novelas da Globo. Não as vejo mais. Mas, até pode ser que a formação do meu gosto passe pelas tantas novelas que assisti na vida e que, como Caetano, tenha que assumir que “narciso acha feio o que não é espelho”. Agora, vejam bem... não estou aqui para dizer que não valeu à pena ter assistido a esta montagem do Théâtre de l’Odeon de Paris, que não foi muito interessante ver os personagens desdobrarem-se em vários e o texto masculino ser dito por uma boca feminina, que não fiquei deslumbrada com a iluminação e a sonoplastia desta adaptação de Heiner Muller de Ligações Perigosas.

Jamais pretendo dizer que alguém deva ou não ir assistir a alguma coisa, muito menos só porque eu gostei ou não gostei. Acho apenas que também devemos ter liberdade na arte para nos expressar e que toda discussão sobre ela é bem vinda! E fico feliz de ter, finalmente, assistido a algo de Bob Wilson e ver (não tão de perto) Isabelle Hupert. Sem dúvida, valeu as horas de fila.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Discutindo conceitos

É muito comum escutarmos as pessoas dizendo que alguém emitiu apenas uma opinião ou fez um comentário sobre um espetáculo, mas, que este NÃO é crítica. Para você existem diferenças entre comentário, opinião e crítica? Se existem, quais são?

Considerações sobre a crítica teatral

Na sua opinião o que é crítica teatral? Ela é necessária? Por que? Qual a sua função (se existe)?