segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Crítica teatral por Michel Fernandes

Por Michel Fernandes, Especial para o Jornal de Teatro

Há algumas edições desse Jornal de Teatro, o editor Rodrigoh Bueno registrou, em seu editorial, um justificado espanto com a conversa de alguns críticos de teatro, que estavam na mesma van que ele, em um determinado festival de teatro. Segundo Rodrigoh, tais críticos não gostaram do espetáculo que tinham visto, mas teriam de “pegar leve” em seus textos, pois o espetáculo levava a assinatura de um “figurão”.
Deprimente saber que a autocensura dos que não têm coragem para assumir suas posições frente a uma peça – por medo de desagradar a alguém cuja carreira é coroada por sucessos ou aos artistas que, em sua trajetória, compilaram um exército de amigos influentes – exista e seja mais praticada do que sonha nossa vã filosofia.
E, além dessa ideia equivocada e que atravanca a reflexão – absolutamente necessária – para os avanços estéticos de nosso teatro, há um grupo de pessoas que lidam, direta ou indiretamente com a crítica teatral, que abre concessões a espetáculos de iniciantes com a justificativa de que é preciso incentivá-los.
Em artigo de Sábato Magaldi lemos que a crítica comete muitos erros de avaliação, mas são equívocos necessários para propagar a reflexão acerca dos novos fenômenos teatrais, ponto que vai de acordo com as ideias da dramaturga Marici Salomão, de que a crítica é uma das bases da percepção, discussão e difusão de novos caminhos das artes cênicas.
Não quero com esse texto glorificar a atividade de crítico teatral, que exerço no Aplauso Brasil – www.aplasobrasil.com.br –, seria no mínimo pedante e pretensioso, mas, antes, reconhecer a responsabilidade que carregamos ao assinar nossos artigos e, por isso mesmo, nos entregarmos à dúvida, ao questionamento constante. Em lugar do autoritário “isso pode” e “isso não pode”, reconhecer que o teatro é território livre, em que quaisquer experimentações são possíveis e que, concordando ou discordando do fenômeno teatral que se critica, é necessário o embasamento teórico e de experiências, vividas ou apreendidas em leituras, para se tecer o texto que, aliás, nada deseja ser definitivo, mas, tão-somente, uma alavanca para a discussão sobre tal fenômeno, já que segundo diz o diretor inglês Peter Brook “o verdadeiro bom teatro só tem inicio ao cair do pano”.
É preciso refletir, sobretudo, “o que é?” e “para quem é dirigida?” a crítica teatral. É preciso diferenciar a crítica teatral dos materiais de divulgação de um espetáculo.

Primeiros Passos
para uma boa crítica
Ninguém duvida que a primeira característica exigida a autores de quaisquer editorias dos jornais e revistas, impressos (as) e eletrônicos (as), é que se escreva com clareza. Essa exigência tão importante ao repórter, cuja função é desembaraçar os fatos do cotidiano para seu público leitor, é apontada por Sábato Magaldi em artigo como condição primordial para que um texto crítico obtenha seu objetivo primeiro que é estabelecer a comunicação entre quem escreve e quem lê. Ele acrescenta que o crítico “julgue com extrema honestidade e sem preconceitos de gênero”. Magaldi diz também que “a primeira função da crítica é detectar a proposta do espetáculo, esclarecendo-a, se preciso, pelo veículo da comunicação. Em seguida, cabe-lhe julgar a qualidade da oferta e da transmissão ao público”.
Para realizar o que chama de “julgamento” ele evidencia a necessidade de o crítico assegurar seu conhecimento sobre o objeto que vai propor a reflexão crítica – o espetáculo teatral. E, para a aquisição de tal saber, cabe ao crítico, além de sólida formação em cultura geral, a frequente leitura sobre a estética teatral, seus diversos estágios diante da história teatral, estudos sobre os mestres – como Artaud, Meierhold, Craig, Bob Wilson, Stanislavski, Brecht e Piscator, entre tantos outros –, conhecimentos sobre a dramaturgia de Sófocles a Shakespeare, de Brecht a Dea Loher, de Padre Anchieta a Nelson Rodrigues, de Maria Adelaide Amaral a Juca de Oliveira, do texto coletivo ao processo colaborativo. Enfim, ser crítico é não ter medo de estudar e reconhecer que o saber jamais se esgota.

A Crítica em Pesquisa
Desenvolvo uma pesquisa, Antunes Filho e José Celso Martinez Corrêa: Apolo e Dionísio do teatro sob a perspectiva das críticas e outros textos de Mariângela Alves de Lima, para o Arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Em primeiro lugar, tal estudo me colocou dentro de uma fortuna de escritos teóricos que propõe reflexões a respeito do fazer do texto crítico, de suas possíveis atribuições e contribuições para o campo do saber teatral. Tal perspectiva me comprova a seriedade, a responsabilidade e o constante dever de estudar, conhecer, enfim, para não ser nem leviano nem permissivo quando tratamos de assunto tão sério como o é para mim o teatro.
Em um segundo momento da minha pesquisa, realizo entrevistas com Mariângela Alves de Lima, há mais de 30 anos crítica teatral de “O Estado de São Paulo”, e, nesses diálogos, conversamos a respeito das ideias dela sobre as teorias que levantei pela pesquisa bibliográfica. A partir disso, chego mais perto da forma como ela se aproxima de um espetáculo teatral, de que maneira ela lida com o fazer da crítica teatral e suas ideias a respeito da finalidade de suas críticas.
Assim como Sábato Magaldi, de quem foi aluna na graduação em crítica teatral na Escola de Comunicações e Artes da USP, acha que a condição sine qua non de um texto crítico deve ser sua clareza para o estabelecimento da comunicação entre autor e leitor. E defende a posição de que, para o artista, a crítica interfere muito pouco, “a crítica teatral não faz com que nenhum gênio do teatro desperte, ou seja, a reflexão crítica não dá ao artista as respostas estéticas para a excelência ou não de seu trabalho”. Em um encontro realizado com alunos do curso de Crítica Teatral, ministrado por Silvia Fernandes e Luiz Fernando Ramos, ela acrescentou o medo que tem de que suas críticas “policiem” o trabalho dos artistas.
Mariângela traz em sua vivência o terror do cerceamento da livre expressão, devido à ditadura militar, e, sendo assim, compreende-se seu pavor ao “policiamento” dos artistas a partir de críticas que apontem os aspectos favoráveis e desfavoráveis de tal e tal espetáculo, mas acredito – talvez ainda esteja vivendo numa utopia! – que é possível o diálogo entre o crítico e o objeto de sua crítica não como bula que direcione o trabalho posterior do artista, mas como material que lhe sirva para saber como se dá uma leitura do trabalho dele por um indivíduo fora do mesmo, nem que para discordar e deletar essa outra perspectiva.

http://www.jornaldeteatro.com.br/materias/32-especial/499-a-critica-teatral-jornalistica-qual-seu-papel.html