sexta-feira, 7 de maio de 2010

A tarefa da crítica (em sete teses)

1. O objectivo último da crítica de arte, como a de toda a análise cultural, é colocar em evidência as condições, dependências e interesses de toda a índole - sociais, técnicos, políticos, de género, de dominação económica, cultural, etc. – sobre as quais a prática se produz. É preciso afastar a miragem da inocência: nunca uma prática de representação – e a arte não é outra coisa – é “inocente”. Evidenciar a sua falta de inocência é sempre tarefa da crítica.

2. É tarefa da crítica contribuir para o processo de construção social do significado. Este não pertence à obra – que em si mesma não é mais do que um modesto e incompleto envio – mas a todo o processo social em que ela está implicada. A parte em que a crítica há-de contribuir não será se não a mais desmanteladora, a que melhor contribua tanto para dispersar essa produtividade significante – a crítica há-de ser máquina de proliferação do sentido – como para socavar a ilusão de que este pertence à obra. O sentido pertence à produtividade, afectiva e intelectiva, dos múltiplos agentes que participam nos processos da comunicação social que chamamos arte.

3. Não é tarefa da crítica operar “dentro” da instituição Arte: mas exercer-lhe incondicionalmente a crítica. Uma boa parte da sua tarefa própria é a crítica das políticas culturais, a crítica da instituição. Entre outras coisas, para colocar em evidência que a fantasia da “crítica institucional” integrada não é mais do que isso: uma fantasia interessada. Nem é fazendo curadoria nem dirigindo museus que se faz crítica, mas sim instituição. E quanto mais se predica contra ela estando dentro, tanto mais se favorece o jogo da falsa consciência em que esse esquema se produz.

4. Não é tarefa da crítica difundir a actividade nem da instituição nem do mercado de arte. A desculpa de que se “informa” o público – quando o que se faz é servir de instrumento de propaganda larvado – não é mais do que uma pura restrição, que serve o jornalismo cultural para instituir-se como agência de decisivo poder no seio do sistema arte.

5. O território para o exercício da crítica não pode ser outro que não o do ensaio – portanto o do livro ou talvez o das revistas especializadas. E não apenas porque na distância e autonomia (relativa, mas infinitamente superior à de outras instâncias) que permitem ambos os meios se abre um grau aproximado de independência – sem o qual não há crítica –, mas porque, em si mesma, a forma de ensaio – como modalidade específica da escrita orientada a fazer emergir as incompletudes de cada forma de discurso, a própria inclusa – é a única dotada para levar avante o trabalho desmantelador que é próprio da crítica.

6. Não é tarefa da crítica propagar a fé nos objectos que analisa: ao contrário, deve colocar em evidência as armadilhas sobre as quais essa fé se institui. A crítica não deverá servir para aumentar a – infundada e enganosa, até ao tutano – fé contemporânea na arte (a religião do nosso tempo, já dizia Nietzsche): Pelo contrário, deve contribuir para desestabilizar essa fé – secularizando criticamente a sua análise nos termos dos imaginários dominantes – tanto como este nas suas mãos.

E 7. A crítica deve aceitar e enfrentar todas as consequências do impacto de “tornar-se online” – que o cenário dos novos media procura – com a carga de perda de autoridade que implica confrontar-se com um espaço multiplicado de vozes. Diria que combinar esse efeito – de extravio da sua autoridade institucionalizada – com o compromisso radical de manter o seu trabalho desmantelador e secularizador, é o grande desafio que, por excelência, concerne à crítica nos nossos dias.


José Luis Brea

Profesor Titular de Estética e Teoría da Arte Contemporânea da Universidade Carlos III de Madrid. É director das revistas Estudios Visuales e ::salonKritik::. Crítico de arte independente.


Originalmente em: http://www.elcultural.es/