sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Paulo José e o ciclo “O espectador crítico”


escrito por vals em setembro 14, 2010 - publicado em http://teatrojornal.com.br/


O ator Paulo José em cena de Um navio no espaço, que abriu o ciclo O espectador crítico no Poa em Cena - foto: Walter Carvalho

Ontem à tarde, aqui em Porto Alegre, iniciamos o ciclo O espectador crítico no charmoso Café Bertoldo, o bar possivelmente mais brechtiano de Porto Alegre, na Casa do Teatro tocada por Zé Adão Barbosa. O diretor e ator Paulo José e o poeta e jornalista Fabrício Carpinejar, dois gaúchos, refletimos sobre Um navio no espaço ou Ana Cristina César, que faz última sessão nesta terça-feira na programação do 17º Porto Alegre em Cena. O aspecto mais dissonante foi quanto ao ponto de vista do espetáculo que indaga incisivamente sobre o porquê de a poeta e escritora ter cometido suicídio aos 31 anos, em 1983. Carpinejar e eu concordamos que essa questão “desvirtua” da elegia que o trabalho presta à autora de Aos teus pés.

O encontro virou uma ode ao próprio Paulo José, de 73 anos. Os amigos apareceram para abraçá-lo, lotaram o espaço. Em seu chapéu panamá, esbanjando carisma e sentido urgente de presença, protagonizou um “mimodrama” à parte assim que encerramos. Sacou o porta-comprimidos do bolso, selecionou um ou outro numa das palmas da mão, segurou na outra o copo de água que a filha Ana Kutner lhe passou – ela contracena com ele montagem – e ingeriu mais uma dose de vida frente ao ao mal de Parkinson. Esse homem apascentado fez tudo isso assoviando uma canção.

O espectador crítico guarda inspiração numa das atividades paralelas que acompanhei em 2005 no V Festival Internacional de Buenos Aires, o Fiba. Era a chamada Escuela de espectador coordenada pelo crítico e pesquisador Jorge Dubatti, no Teatro San Martín. Vi dezenas de interessados, de todas as idades, reunidos para escutar o diretor alemão Frank Castorf na hora do almoço em pleno domingo.

No Poa em Cena, aproximamos os substantivos “espectador” e “crítico” para que eles se contaminem de fato: um espectador mais ativo e consciente em seu “papel” na fruição ou não da montagem e um crítico que também “leia” o seu entorno, homens e mulheres com os quais divide a plateia. Um pouco do que o teórico e crítico italiano Ruggero Jacobbi, radicado no Brasil desde os anos 1940, referência na formação da geração de Paulo José (Teatro de Equipe aqui, Teatro de Arena em São Paulo) fez ao batizar um livro de ensaios publicado pela URGS em 1962, no curso de arte dramática dentro da faculdade de filosofia: O espectador apaixonado.

Transportamos o lugar do espetáculo do edifício (ou praças, galpões) para este presente costurado pela memória da noite passada, estimulando o pensamento e a reflexão em grupo e agregando amantes das artes cênicas em vários quadrantes. Durante cerca de 90 minutos, contracenam as vozes do criador, do crítico, do espectador e de um especialista convidado a discorrer sobre o tema abordado em cena. O Fabricio Muriana, da Bacante, contou-me que um projeto semelhante é desenvolvido em Santiago desde 2008, no âmbito do festival Santiago a Mil e sob título próximo ao argentino, Escuela de espectadores de teatro, idealizado pelo jornalista e crítico Javier Ibacache. O nosso ciclo dura duas semanas, de segunda a sexta, entre 12h15 e 13h30, perfazendo dez encontros com artistas do Brasil e outros países. Em tempo: no primeiro dia, aberto o microfone ao público, ninguém fez pergunta ou comentário e a bola retornou à “mesa”.

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