sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Entendidos e entediados


Uma pessoa, perto de mim, aplaudia de pé, enquanto bocejava. Ouviam-se alguns gritos de “bravo” vindo de um público que, praticamente, lotou o teatro do SESI. Era o fim do espetáculo que me levou a passar a manhã na fila de ingressos do Porto Alegre em cena. “Um deleite estético e rigor técnico”, como disse uma das minhas colegas maravilhadas com Quartett. Concordo, mas o mesmo não aconteceu comigo e, tenho algumas pistas do porquê.

Esteticamente o espetáculo me impressionou muito. Minimalista, mas, extremamente plástico. Tirei várias fotos com meus olhos, enquanto ouvia o texto. No entanto, os ritmos dissonantes entre a dramaticidade das palavras ditas e dos movimentos em cena, provocaram estranhamento e este, desconforto. Não daquele tipo que causa impacto, instiga e altera nossa percepção, mas, daquele que nos faz começar a desejar que a cena esteja perto do fim.

“Acho que não deves falar sobre este espetáculo”, disse-me hoje logo cedo uma pessoa que me quer bem. “Uma peça que é aplaudida em pé por tanta gente entendida em arte tu não deves criticar.” E aqui começa a questão mais significativa do que falar bem ou mal de Quartett.  Por que temos todos que gostar das mesmas coisas? Sei que durante este período do Porto Alegre em Cena muitas discussões ferrenhas foram travadas pela cidade. Amigos e casais por pouco não romperam suas relações em função da divergência de opiniões. Então é assim? Só podemos nos relacionar com quem concorda conosco? Só apreciamos aqueles que pensam como nós? Quão narcisistas são nossos afetos?
Sim, ninguém quer dar atestado de ignorância. Nem eu. Penso mesmo se devo me expor assim para outras pessoas e me questiono por que, inclusive para mim, ser inteligente é algo até mais importante do que ser bom, do que ser ético?

Há uns dias atrás, vi um documentário sobre as mulheres na Índia que, ao participarem de um concurso, passavam por entrevistas. “Quem foi Hitler?”, perguntou um dos jurados. A moça disse: “Qual é o primeiro nome dele?”. Fiquei chocada. Como assim? No entanto, ao comentar sobre isso com uma das minhas amigas, ela observou: “o que sabemos nós sobre as autoridades indianas? Sobre seus deuses? Suas histórias?” Quase nada. Quando muito sabemos algo sobre Gandhi até porque sua história foi parar no cinema hollyoodiano. Não. Nem depois de muito “hare baba” ainda não sabemos quase nada sobre a Índia.

Então vejamos: não posso respeitar quem não tem as mesmas informações que eu? A mesma cultura? A mesma forma de apreciar a arte? Imagino que alguns vão dizer que quero uma arte tradicional. Eu acho que, depois de mediar duas Bienais do Mercosul, estou aberta para novas propostas. Outros, talvez digam que eu só me interesso pelas novelas da Globo. Não as vejo mais. Mas, até pode ser que a formação do meu gosto passe pelas tantas novelas que assisti na vida e que, como Caetano, tenha que assumir que “narciso acha feio o que não é espelho”. Agora, vejam bem... não estou aqui para dizer que não valeu à pena ter assistido a esta montagem do Théâtre de l’Odeon de Paris, que não foi muito interessante ver os personagens desdobrarem-se em vários e o texto masculino ser dito por uma boca feminina, que não fiquei deslumbrada com a iluminação e a sonoplastia desta adaptação de Heiner Muller de Ligações Perigosas.

Jamais pretendo dizer que alguém deva ou não ir assistir a alguma coisa, muito menos só porque eu gostei ou não gostei. Acho apenas que também devemos ter liberdade na arte para nos expressar e que toda discussão sobre ela é bem vinda! E fico feliz de ter, finalmente, assistido a algo de Bob Wilson e ver (não tão de perto) Isabelle Hupert. Sem dúvida, valeu as horas de fila.

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